domingo, 28 de agosto de 2011

A Maçã(La Ragazza Mela)- relato de um processo de construção dramatúrgica



          Na próxima semana "A Maçã"( La Ragazza Mela) volta à cena.
Diferente de meus outros textos teatrais a dramaturgia deste é proveniente de um texto escrito, que eu traduzi do italiano e adaptei para  ser encenado. A adaptação de "A Maçã" não se deu apenas diante do computador, mas sim na cena. Queria apenas contar o texto em questão e resolvi fazê-lo primeiramente em italiano.
O início do processo aconteceu em 2008 quando eu morava ao lado das dunas da Praia dos Ingleses, em Florianópolis/SC/Brasil.

 Eu, nas dunas da Praia dos Ingleses, em Florianópolis/SC/Brasil no princípio de meu processo de criação cênica e dramatúrgica para "A Maçã"

Nas tardes de sol ia com o texto para diante do mar e buscava memorizá-lo. 
Ao entardecer ensaiava nas dunas tendo com público minha matilha de cães e os infinitos grãos de areia. Cantava em italiano para aquecer a voz e utilizava os malabares Swing poi para aquecer o corpo. 
No mesmo semestre busquei adaptá-lo a partir das idéias que tinham surgido no período da duna.
Meu exercício então foi o de incluir personagens e pesquisar figurinos,  apoiando-me na pesquisa corporal das personagens da commedia dell'arte. Esta etapa também que ficou guardada no meu computador e no meu vocabulário corporal por um bom tempo. 

 Arlecchino personagem típico da commedia dell'arte italiana, utilizado como inspiração para o personagem Polentino do espetáculo "A Maçã"

No primeiro semestre de 2009 trabalhei com o mesmo texto no trabalho da disciplina TEV 3 ( técnica Vocal 3) da UNIRIO- Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Como tratava-se de um trabalho solo procurei recriar através da voz as personagens que havia desenvolvido na duna, e na fase escrita.
O fiz inicialmente em italiano, até que a Professora Natália Fiche, me pediu que fosse aos poucos traduzindo para a língua portuguesa o texto que  apresentaria...
Que dificuldade transformá-lo num texto em língua portuguesa, que exercício maravilhoso!
Uma investigação de palavras que levava o texto em português a ter a mesma vida que ele tinha em italiano. O texto em que me apoiava para toda esta criação chegava de forma escrita em minhas mãos, mas  era um relato oral recolhido da cultura popular por Italo Calvino.
Depois de imprimir diferentes matrizes vocais para cada narrativa e para cada personagem, e ter que traduzi-lo de forma gradativa, foi a vez de colocá-lo na cena.
O exercício foi então o de criar um corpo para uma narrativa e para personagens que já tinham voz colocadas em diferentes caixas de ressonância do corpo.
Mais outro desafio!


O passo seguinte era libertar o texto da linguagem meramente narrativa, trazê-lo um pouco mais para linguagem dramática, e coloquei os demais personagens em apresentações que foram levadas em escolas da periferia de São José/SC/Brasil, dentro do Projeto "O Teatro vai a Escola".



No ano seguinte apenas com um caixote e meu malabares, levei o trabalho para praça, no Dia Mundial do Teatro Infantil,  e voltei a atuar sozinha nele,  recebendo uma ótima receptividade do público. 
Mas eu ainda não estava satisfeita,  no semestre seguinte incluí o criado do rei, que ganhou vida pelo atuação de Nilo Corrêa, e foi batizado por mim como Polentino, em homenagem ao Arlecchino da commedia dell'arte e ao meu amor pela culinária italiana.




No dia da estréia o ator estava sem voz, e eu  tive que voltar a estaca zero do processo. O palco do espaço que eu apresentaria, devido uma apresentação da noite anterior, estava desmontado. Eu já ouvia o público chegando, barulhento, quando tive a luz de tirar o espetáculo de uma encenação em palco italiano
( até por que seria impossível montar o palco em tão pouco tempo)
e fazê-lo de arena, circular;  como eu ensaiava na duna, no início de tudo...
Os módulos que haviam sobrado do palco, espalhei pelo espaço,  depois distribuí adereços referente a cada uma das personagens que eu encenaria,  em cada um deles.
No meio eu-narradora, ao redor o público...
O criado Polentino (mudo) virou a grande sensação de minha narrativa, um grande trapalhão na pele de um experiente ator, roubou a cena. Depois de sua aceitação pelo público decidi deixá-lo sem falas verbais.
 O sucesso de Polentino faz com que o ator seja até hoje chamado pelo nome da personagem quando é encontrado por algum dos espectadores na rua.


 Nilo Corrêa(Polentino) e Eu em cena, outubro de 2010, numa das vezes que o criado entra em cena para interagir atrapalhadamente com a narrativa e com os demais personagens.

No semestre passado La Ragazza Mela, que eu batizei como A Maçã, ganhou adereços de cena,
carretéis onde Eu e Nilo( Polentino) atuamos em cima. Sei que sua recriação está só no início.
Planos não faltam, mas decididamente é meu principal work in progress, e não sei definir ainda se de fato é um texto dramatúrgico, mas eu o interpreto.
Sua tradução não foi feita por mim apenas com palavras,
mas antes de tudo com o trabalho(muitas vezes) solitário de atriz.  


 Escola na periferia de São José/SC/Brasil.

A Maçã é um relato oral, e seguirá sendo,
minha adaptação e tradução é feita a cada experiência com o público,
com os diferentes espaços
e com a pesquisa constante que nutro pela cultura popular italiana.
E tenho certeza que este processo ( que iniciou em 2008) está só iniciando! 


E sempre digo que é delicioso e tentador como uma maçã! 

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